HAMLET
Acalma-se o tumulto. No palco estou
contra o portal da porta,
ao longe, reconhecendo vagamente
o que o meu tempo pode trazer.
O escuro da noite jorra sobre mim
milhares de olhos que me fima;
mas Abba, Pai, se essa for a tua vontade,
afasta este cálice dos meus lábios.
Com firmeza o teu desígnio tem o meu amor,
este papel que me deste quero ter;
mas agora encena-se um drama diferente:
poupa-me agora do teu caminho.
E no entanto a ordem dos actos é fixa,
o fim do caminho e irreversível.
Estou só. Agora é o tempo dos Fariseus.
A vida não é como um passeio ao campo.
É impróprio ser famoso
pois não é isso que eleva.
E não vale a pena ter arquivos
nem perder tempo com manuscritos velhos.
O caminho da criação é a entrega total
e não fazer barulho ou ter sucesso.
Infelizmente, nada significa
como uma alegoria andar de boca em boca.
Mas é preciso viver sem pretensões,
viver de tal modo que no fim de contas
venha até nós um amor ideal
e ouçamos o apelo dos anos que hão-de vir.
O que é preciso rever
é o destino, não antigos papéis;
lugares e capítulos de uma vida inteira
anotar ou emendar.
E mergulhar no anonimato,
e ocultar nele os nossos passos,
como foge a paisagem na neblina
em plena escuridão.
Que outros nesse rasto vivo
seguirão o teu caminho passo a passo,
mas tu próprio não deves distinguir
a derrota da vitória.
E não deves por um só instante
recuar ou trair o que tu és,
mas estar vivo, e só vivo,
e só vivo – até ao fim.
Boris Pasternak
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