Lembro-me vagamente de estar fascinada com os recém-aparecidos concursos de perguntas na televisão. Quanto mais o candidato subia, mais as perguntas ficavam difícies. Ciência, geografia (o meu ponto fraco no Trivail Pursuit - nota para mim, tenho de viajar mais), história, literatura...
E houve um dia, em que a última pergunta foi sobre cinema. Olha, vai perguntar quem é que realizou o filme, um comentário alheio de um qualquer membro da família. E eu fiquei a observar o suado concorrente, a tentar lembrar quem tinha realizado um filme famosíssimo que eu, com tanta pouca idade, já tinha ouvido falar. Lembro-me de ter pensado que tinha de preencher a lacuna o mais depressa possível.
E as listas de filmes. Visto, não visto, a ver. Queria fazer um inventário de todos os filmes existentes. Queria ver todos os filmes existentes. Estranho entretenimento, podem pensar vocês. Sempre tive um grande fascínio por listas. Daquelas que dá para pôr a cruzinha ao lado quando se faz alguma coisa. Dá-me um sentido de propósito. Se um dia fico sem coisas a fazer na minha lista mais vale não existir de todo. Estava a fazer a minha lista e a ouvir rádio quando o primeiro avião embateu no WTC. Obcecada com a América - e Los Angeles, e Califórnia, e São Francisco - lembro-me de ter ligado a televisão a tempo de ver, segundos depois, o segundo embate.
E as composições para línguas. Métteur en scene. Filmregisseur. Não que o pensasse seriamente. Apenas queria ser diferente. E como não queria ser médica, nem nenhuma profissão o mínimo normal que fosse - e porque queria sempre perguntar à professora pela nova palavra - escrevia sempre que gostava de contar histórias, e os realizadores fazem isso. Ou assim escrevia eu.
Nunca, mas nunca - e têm de acreditar nisto - parei para pensar. Nunca me levei a sério com essas histórias. Achei sempre que alguma coisa ia acontecer, e o futuro ia parar magicamente. Que alguma coisa havia de acontecer. Possivelmente ficar na Universidade a dar aulas. O mais provável. E sim, gostava - e gosto - de histórias. Quero até procurá-las e pô-las por aqui. De viagens no tempo, de camionetas em inundações, de dinossauros, ou outros monstros. Mas isso não ia acontecer. Talvez jornalista. Sim, com uma trança longa e umas jardineiras azuis, óculos de massa (que imagem tão estranha de futuro). E via Besson, e filmes às escondidas dos meus pais (deixaram o VHS antigo no meu quarto e eu aprendi a programá-lo para gravar as sessões depois da meia-noite. Quatro Quartos (quem é o Tarantino?). Solteiros e Tarados. Porky's.
O primeiro dia na secundária, e fui-me registar no clube de vídeo (tentar ao máximo ver todos os filmes existentes). Ilegal, menor - não me pediram BI. Eu não sabia nada de cinema. Nada de nomes. Nada de filmes famosos. Só via o que me apetecia. Muita coisa estranha. Como o "Star 80" de Bob Fosse. Ou "Innocent Blood" de John Landis. Bolas, o meu primo David sabia tanto de cinema (e que é feito dele?). Eu sentia-me uma ignorante (também lhe devo ter-me dado a conhecer Saramago, que nunca leria por iniciativa própria). Ver todos os filmes existentes. Ver todos os filmes existentes.
Faltar à escola para ir ver "Big Fish" no dia de estreia - não sabia quem era Tim Burton na altura. Sabia de cor e salteado todos os membros dos Chamberlain Men - mas de realizadores não conhecia nada. Suada, suada na final do concurso televisivo, "e então diga-me lá quem é que realizaou Grease?"
Suada, suada, ver todos os filmes existentes.
Foi Shakespeare que me trouxe ao cinema? Quero acreditar que sim. Ah, todos os documentários sobre Titanic também tiveram os seus efeitos. Mas um acidente. Um desvio.
(sim, tinha pedido a câmara de presente de natal. Sim, tinha feito o powerpoint do banho. Sim, sim, sim. Peter Greenaway, Tom Stoppard. Sim, sim. Mas eu ia ser uma pessoa taxável e contribuível, acreditem)
E aqui estou. Que raio sou? Métteur, métteur... métteur en scène. Suada, suada. A guardar cavalos à porta do teatro (ou arrumadora de carros À porta do cinema?).
Ver todos os filmes existentes. Visto. Visto. Ahhhh.... mais uma descoberta.
2 comentários:
"E sim, gostava - e gosto - de histórias. Quero até procurá-las e pô-las por aqui. De viagens no tempo, de camionetas em inundações, de dinossauros, ou outros monstros."
Hahaha.
: )
o poder das histórias!! o que o Jorge Gabriel te fez para que escrevesses um texto tão bonito!!
Foi o Jorge Gabriel que te traumatizou com a pergunta do realizador, não foi? Eu vou lá e espanco-o!! LOOL
bjs
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